quarta-feira, 13 de junho de 2012

O BESTA E O SABIDO


Meu conterrâneo, Mandapulão de Luzia foi um dos bravos servidores do DNOCS que ajudaram na construção do gigantesco Açude Público de Orós (CE). Ele sempre falava disso com muito orgulho. Mantendo sua fama de gabola, aquele tipo de gente que se auto denomina: inteligente, sagaz, perspicaz, ativo, forte, influente, sabido etc., ele se vangloriava dizendo que o Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, em seu discurso no dia da inauguração da barragem, em 05.01.1961, agradeceu o empenho do Engenheiro Chefe responsável pela conclusão da obra, falou o nome de alguns ministros de seu governo, mas quando foi se dirigir aos trabalhadores, Juscelino teria dito: “Quero destacar aqui a imprescindível colaboração do mestre Madapulão de Luzia, esse grande líder, que nas horas mais difíceis, nos momentos mais adversos, conduziu seus colegas incentivando, reanimando e repetindo as minhas palavras: Não vamos lutar contra Deus... Mas a força das águas do Rio Jaguaribe nós iremos vencer, para matar a sede do povo cearense...” Na verdade, no discurso que Juscelino fez em 1960, quando do arrombamento da 1ª barragem que provocou a inundação de todas as cidades ribeirinhas do Vale do Jaguaribe, ele disse isso. Mas o nome de Mandapulão ninguém ouviu Juscelino mencionar. Mesmo porque, o serviço dele, do início até o final da obra, foi somente escavar o túnel utilizando pá e picareta.Mandapulão era gabola e bossal demais. A melhor bicicleta, o melhor revólver, o melhor rádio, a melhor mulher, os meninos mais bonitos e mais sarados... Tudo dele era melhor. Quando se aposentou pelo DNOCS em 1972, Mandapulão botou a mudança em cima do caminhão de Seu Lourival e veio morar na Rua das Flores em Juazeiro do Norte Conheço essa história porque na época eu cursava o 1º científico na Escola Estadual Wilson Gonçalves do Crato, e sempre que tinha jogos importantes no Romeirão eu vinha assistir em Juazeiro. E o almoço era sempre na casa dele. Um belo dia Mandapulão se encontrou com Agamenon Angelim na “Feirinha da Troca” (Local onde são negociados alguns produtos roubados. Nessa feirinha cidadãos se misturam com marginais) , nas proximidades do Romeirão. Eles eram compadres. E tome conversa. Isso é muito natural. Quando a gente encontra um conterrâneo pelo meio do mundo, o que não falta é assunto.E Agamenon Angelim se lembrou de umas conversas que se falava muito no Icó, e comentou: “Compadre, e sobre os larápios aqui de Juazeiro que tem a mão ligeira e que batem carteiras, que roubam tudo das casas etc., isso é verdade?” Mandapulão respondeu: “Tudo mentira compadre. Estou aqui há dois anos e nunca fui roubado... Compadre sabe que eu sou ativo... Eu não dou chance a ladrão... Talvez eles se aproveitam de pessoas abestadas... Eu até duvido que alguém me passe a perna...” Na hora da despedida ele sentiu que a carteira não estava no bolso, e falou: Compadre Agamenon, pague aí essa continha que eu esqueci minha carteira de dinheiro no bolso do meu palitó lá em casa. Inclusive, compadre, quando vier com mais tempo, vá rever sua comadre Luciana. Nós moramos aqui nessa rua, nº tal”. Um rapaz desses desocupados, cheio de tatuagens, estava ouvindo a conversa deles desde o início e teve uma idéia genial: Adquiriu um peru e foi até a casa de Mandapulão. Acionou a campainha, e com a maior intimidade já foi dizendo: “D. Luciana, Seu Mandapulão está ali na “Feirinha da Troca”, encontrou com o compadre de vocês, Sr. Agamenon Angelim, lá de Icó, estão tomando umas cervejinhas, e ele mandou esse peru para a senhora fazer o almoço”.D. Luciana estranhou muito essa atitude do marido. Mas mesmo com aquele olhar de desconfiança recebeu o peru e amarrou na perna da mesa. Voltou e fechou a porta.O educado rapaz tocou a campainha novamente e disse: “Ah meu Padim Ciço, como eu sou esquecido... Já ia me esquecendo... Seu Mandapulão falou para a senhora mandar a carteira dele que está no bolso do palitó, dentro do guarda-roupas. D. Luciana não teve dúvidas: Entregou a carteira do jeito que estava, com todo dinheiro aquela gentileza em pessoa”. Pouco tempo depois ele chegou. Ela estranhou e disse: “Oh xente... Tu já veio almoçar? Eu ainda nem matei o peru...” Mandapulão: “Tá ficando doida? Que peru?” D. Luciana: "O peru que você mandou prá fazer o almoço para compadre Agamenon Angelim, lá de Icó. Está aí debaixo da mesa o peru. E tem mais, o rapaz que veio deixar esse peru levou sua carteira de dinheiro para lhe entregar.Caiu a ficha. Mandapulão pegou ar: Isso é um inferno... Pela primeira vez na vida eu fui roubado... Mas eu vou já pegar o safado que me roubou... Foi alguém dali de perto que estava ouvindo minha conversa com compadre Agamenon. Botou o revólver na cintura e saiu para a “Feirinha da Troca” a fim de pegar o ladrão e entregá-lo nas mãos da polícia, como se fazia antigamente no Icó.De volta ao mesmo quiosque ele começou a bradar:"Mas rapaz, pela primeira vez na vida eu fui roubado... Um vagabundo foi lá em casa deixar um peru e pegou minha carteira de dinheiro". E ficou contando a história e repetindo... "Mas eu vou pegar esse cachorro e entregar a polícia..” O distinto rapaz ouviu atentamente a história dele. Colocou um chapéu, um óculos fundo de garrafa, mudou de roupa, e voltou ao mesmo . endereço para terminar o serviço. Para Mandapulão criar marra, deixar de ser gabola e de contar vantagem.D. Luciana mais uma vez atendeu a campainha. O sujeito já foi dizendo: “A senhora é a esposa de Seu Mandapulão, cabra valente e destemido de Icó? Preste atenção minha senhora, seu marido está lá na Delegacia da Polícia Civil. Ele pegou o ladrão, recuperou a carteira de dinheiro, deu uma surra no safado, e foi entregá-lo à polícia... A confusão lá está grande porque o acusado está negando... Por causa disso o delegado mandou dizer que a senhora mandasse o peru. O peru vai servir como prova do crime..” D. Luciana rezou por alguns segundos agradecendo a Deus por esse milagre. Desamarrou o peru da perna da mesa e o devolveu ao ladrão. Para quem nunca tinha sido roubado foi uma boa experiência. Mandapulão é de saudosa memória. Esse ladrão talvez não tenha consciência do grande trauma que causou ao nosso conterrâneo. Na velhice, caducando, Mandapulão ainda relatava esse fato e dizia: “Ah se eu tivesse pegado aquele ladrão...”

Do livro: Histórias, Estórias, Crônicas e "causos". (João Dino)

Um comentário:

  1. olá lacy boa noite eu a dorei essa historia a cima a pesar de ter algumas inverdades, mais isso faz parte thial e um grande a braço aos meus conterraneos de lima campos em setembro eu estarei ai se deus quiser.

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