terça-feira, 21 de agosto de 2012

ZÉ PELA-PAU O CAMELÔ DE ICOZINHO, A VINGANÇA



   

Anselmo de Chico de Luzia, lá do Distrito de Icozinho, foi o melhor camelô de todos os que eu conheci na minha vida. Ele era quase analfabeto. Nunca saiu do Ceará. Mas quando estava procurando juntar gente para vender a BANHA DO PEIXE BOI, ele falava de suas andanças pelo Velho Mundo e pela América do Norte, que a gente ficava morrendo de inveja.Numa manhã de sábado de 1965, Anselmo de Chico de Luzia estava nos degraus da Coluna da Hora de Icó, revólver calibre 38 na cintura, e com uma mala bem grande, cheia de BANHA DE PEIXE BOI prá vender. Esse bendito remédio ele mesmo fazia em casa e colocava em frascos vazios de mercúrio.Quando da apresentação do primeiro frasco, ele bebia uma colher de chá, dava umas quatro tapas no bucho, mostrava os músculos do abdome, e perguntava ao povo: “Amigo, tu tens dor de coluna, reumatismo, cirrose, bico de papagaio, dormência nos braços, dor de cabeça constante, inflamação na próstata, pedras nos rins, pressão alta? A mulher te procura de noite e tu ficas se escondendo, pedindo a Deus que faça um milagre pros pensamentos subirem? E você, minha senhora...Quando chega os dias de cão, a senhora sente cólicas, dores nas partes, enxaquecas, a cabeça parece que está ouvindo um britador quebrando pedras de calçamento? A senhora sente vontade de desaparecer quando seu marido vem lhe procurar prá fazer bebê? Pois bem Senhoras e Senhores. Façam como o  Presidente Juscelino Kubstichek de Oliveira e sua amante: tome uma colherada dessa BANHA DO PEIXE BOI, que é preparada pelos índios da Amazônia, quando for dormir e quando for tomar o café da manhã, e se livre de uma vez, de todas essas mazelas...” Anselmo gostava de mim porque eu ia sempre comprar fumo para abastecer o seu cachimbo. Eu ia buscar água e café prá ele, lá na venda de D. Anete, minha mãe.Uma vez eu perguntei: Anselmo, é difícil fazer esse remédio? Ele respondeu: “Não João Dino, difícil mesmo é vender”.Essa cena que eu vou descrever, você que tem a minha idade, deve ter visto inúmeras vezes: Microfone cabeça-de-gato tinha um suporte que Anselmo acoplava no pescoço. Está lá a difusora de som pendurada num tripé de madeira, e ele começou a fazer o alarde para juntar gente. O objetivo dele era um só: juntar gente para vender a banha do peixe boi, que curava todas as doenças que existiam na face da terra. E tome conversa: “Meus amigos, eu viajei para os Estados Unidos no mês passado... É, eu estive nos “esteites”. E eu levei essa cobra Sucuri da Amazônia. Essa cobra que está aqui nessa mala. Eu levei ela prá fazer apresentações por lá. Foi sucesso total.Meus amigos essa cobra mede 2 metros de comprimento e pesa 60 kg. Mas ela dança Merengue Cubano, na ponta da calda, flutuando. Você está duvidando? Não duvide não “Véi” Essa cobra já já vai dançar prá vocês, aqui nesta praça, o Tango Argentino, de uma maneira que vocês nunca viram. Essa cobra vai dançar a Dança-do-ventre, prá fazer inveja a qualquer bailarina da Arábia Saldita. Meus amigos, quando eu estive fazendo o show com essa cobra, em frente a Casa Branca, em Washington, nos Estados Unidos, juntou tanta gente na Praça que um .Assessor do Presidente John Kennedy me convidou para fazer o show na residência oficial. Os meninos dele e a primeira dama quase morreram de achar graça vendo essa cobra dançar e fazer acenos, piscando o olho e dando língua para Seu John Kennedy” Vejam só em que situação eu fiquei, ZÉ DE MARIA DE SEU AGOSTINHO, aquele que eu botei o apelido de “ZÉ PELA-PAU”, meu amigo, estava do meu lado. Zé fazia cada presepada que surpreendia todo mundo. De repente ele colocou as mãos protegendo a boca, fazendo uma espécie de funil, e gritou bem alto: “É MENTIRA..”Nessa hora tinha umas 100 pessoas assistindo. Anselmo saiu procurando a pessoa que gritou. Passou por nós. Eu fiquei todo me tremendo. E Zé Pela-Pau nem ligou. Foi aí que eu disse: Zé não faça isso não. Eu conheço esse Camelô. O nome dele é Anselmo. E ele usa um revólver 38 cheio de balas. Basta. Foi o mesmo que não dizer nada. ZÉ continuou perturbando e enchendo o saco do Camelô.Anselmo se recompôs. Fêz de conta que não tinha ouvido nada. E continuou...”Meus amigos, dos Estados Unidos eu fui para a Inglaterra. E lá, Príncipe Charles estava dodói, sem querer comer nada, trancado no banheiro com um monte de revista pornô. Que aconteceu, a Rainha Elizabete mandou um daqueles guardas que usam aquele chapéu vermelho redondo na cabeça me levar para o Palácio dos Windsor. Eu nem sabia o motivo. Pois acreditem: era prá fazer show com essa minha cobra para o Príncipe.O menino só faltou morrer  de rir vendo essa cobra se exibir na dança-do-ventre... E quando ela piscava o olho e dava língua para a Princesa Lady Diana, a Rainha Elizabeth dava gargalhada, que parecia Socorro Gaitada quando está bêbada aqui na Rua da Palha de Icó”.ZÉ PELA-PAU interrompeu o Camelô de novo... Botou as mãos na boca fazendo o funil e gritou: “É mentira...” Esse camelô passou uns dois minutos procurando Zé e não descobriu.Se recompôs e recomeçou seu leriado: “Meus amigos, da Inglaterra eu dei um pulinho na França. Fiz meu show com essa cobra ali debaixo da Torre Eiffel. Pense numa Torre grande. 150 metros de altura. É a velha dama de ferro, como o povo chama por lá. Mas eu ganhei dinheiro. Os Turistas compraram todo meu estoque de banha de peixe boi. Por isso foi que eu voltei para o Brasil”.ZÉ PELA-PAU interrompeu o Camelô de novo... Botou as mãos na boca fazendo o funil e a gritou lá do outro lado: “É mentira!I É mentira...” ZÉ ficava mudando de posição. Anselmo não conseguia localizá-lo. Mas ele percebeu que não dava para trabalhar com ZÉ lhe chamando de mentiroso. Mudou de estratégia: “Meus amigos, eu vou contar uma historinha pra vocês. Aconteceu quando eu era menino. Eu era muito perverso.Eu gostava muito de judiar com os bichos brutos. E minha mãe criava um 
porquinho. Meus amigos eu judiava tanto com esse porquinho. Eu jogava água quente em cima dele. Eu metia a cabeça dele dentro do tanque onde mãe batia roupa. Eu amarrava 
 os pés dele e pendurava na mangueira prá ficar montado em cima dele me balançando. Eu fiz tanta maldade com esse porquinho que um dia, depois de tanta judiação, ele morreu.Quando minha mãe se deparou com aquele porquinho, que ela criava com tanta estimação, morto, teve tanto desgosto, que me rogou uma praga. E praga de mãe é coisa séria meus amigos.Minha mãe se ajoelhou no meio da rua, ao meio dia em ponto. E soltou o verbo de lá prá cá: Infeliz, o espírito desse porco vai te perseguir por toda tua vida, amaldiçoado.Vocês entenderam? Essa voz que está aqui me chamando de mentiroso é justamente o ESPÍRITO DO PORCO que eu matei. Vejam como praga de mãe é coisa séria. Ele não aparece porque é só o ESPÍRITO DO PORCO me perseguindo... Volta pró inferno e me deixa trabalhar em paz amaldiçoado”. Depois dessa, ZÉ PELA-PAU ficou bem caladinho. Passou por mim e disse: “Vamos embora João Dino”. Eu recordo essa história passando um filme aqui na minha cabeça. ZÉ PELA-PAU e ANSELMO são de saudosa memória. Mas saibam os Senhores que "ESPÍRITO DE PORCO" todos nós temos em nossas vidas. Anselmo, um humilde camelô, tinha. Eu tenho. Você tem... basta fechar os olhos para ver. O Governador do Estado do Ceará, discursando aqui no Crato disse que também tem espíritos de porco que lhe perseguem. Vixe Maria! 

Do livro: João Dino, Histórias, Estórias, Crônicas e "causos". De João Dino

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